DEGELO

Hoje a neve acorda-me ….
Não essa, que cai em flocos e preenche a alma….
Tão pouco a outra, disfarçada de algodão….doce no palato….
Não….
Esta neve brota do chão e faz-se caminho de prenuncio….
Bordada no bafo do raiar da noite, por geadeiras mãos que entrelaçam na tela de terra cerzidos de ponto cruz, e nos fascina o olhar no alvor da matina….
De Completo espanto.....
Ao longe a Outonal procissão, cala a ladainha e obriga-se a acertar rápido passo….
Movida de fausto…ao ritmo de folhas caídas, Outono prepara o Hibernar!
E leva com ele as tristezas….
O tapete cândido que Inverno há-de pisar, já se estende virginal por todo o Interior, esperando a desfloração que noite após noite há-de sofrer num cíclico e doce sentir…até ao reino da flor perfeita….
Sossegam os corações….
Todos os corações….
Senhor Inverno, ditador atípico…. Impõe recolher ….
Rompe agreste, dominando e usurpando o Outono!!!!
Remete-o para os confins do degredo, onde se há-de manter no tempo perfeito de uma humana gestação…até ao regresso apático, para nos brindar com telas gigantescas de cores pastel, silêncios longos e folhas inertes….
Até lá…. Impera Inverno….
Anuncia-se em arautos de sorvetes brancos, e dono do tempo, senta-se no trono!
Trás com ele a velhice e os guerreiros da sabedoria….
E o regime resistente da paz…..!!!!!
Encarcera-nos nos limites do aconchego…. No calor….
Se não fizer Chover….Soberano Inverno irá obrigar-nos ao conforto do agasalho….
O cachecol de fios de lã que se ata no pescoço….
As luvas de pele negras de pelo no rebordo….
O gorro de fibra quente que nos tapa as orelhas e nos atiça o sorriso….
A manta de trapo, que nos há-de cobrir as pernas no crepitar da lareira ….
E por lá se degelam os corações….
Da humilde condição humana, brota sémen do mais perfeito esplendor….
Engraçado….
No Inverno a gente precisa-se….
Não sei se é o frio da rua … (ou o da consciência) …. Que nos torna unos….
A Humanidade cumpre-se! Por fim!!!!!!
E mesmo no aperto do coração, bem escondido nas mãos cobertas que atam o peito….
Soltamos um simples sorriso a quem quer que passe, na ânsia de retribuição….
Há uma estrela enorme, dissimulada de astro-rei nos corações e na penumbra dos dias cinza-gelo que brilha nos sorrisos das crianças….
Que vicia Todo o mundo, qual fonte de juventude, na clareza das ideias….na simplicidade das coisas autenticas…
E enquanto a humanidade, se faz palavra perfeita por essas terras de gente ….
O Velho e frio ancião assiste ao ocaso de Maria, qual bicho a parir o menino rei de todos os corações num estábulo de palhas douradas….
E ao segredo dos pais Natais de pele e amor….
No seu mais fascinante segredo, O Inverno esconde e mima a Primavera no íntimo….
Liberta o gelo, protegendo no calor a crisálida….
E faz dela o seu bater de espírito….
Nesta perfeita paragem….
Que há-de irromper de dentro…
E fazer-se anunciação….
Por ora, no glaciar calor que no borralho mima a primaveril larva, embala o soninho do esplendor….
Aguardando-se o milagre….
Um novo milagre….
Nesta Vida Natura em que tudo se transforma….
Talvez o Inverno não seja um velho ancião de lácteos cabelos….

Talvez um menino espantado a agarrar o coração do avô……

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Sugestão Musical : Vejam Bem... José Afonso

Sugestão Cinéfila : Homem em furia