REGRESSO
É noite. Muito Noite! Tudo dorme, menos eu e uma pedra, que quando fumo um ensonado cigarro avisto da janela. Cumprimento-a em vénia. Faz de conta que não me vê…Não a condeno.... Reprova a quantidade de visitas e cigarros que lhe despertam o ninar….
Volto para o Interior... Tímido.
Sento-me aguardando pacientemente o trem que me levará de novo á blogosfera.
Já tirei bilhete! Tenho-o bem guardadinho na imensidão do bolso vazio de meu casaco. Vezes sem conta , enquanto fito os demais companheiros de viagem, aperto-o forte na palma de mão. Tou com saudades. Este pedaço de papel vermelho pardo é a ponte….
Comprei-o na estação… dirigi-me ao guichet aonde o costumeiro e azedo vendedor me zomba… Para onde?
-Interior Norte… se faz favor…
-estes jovens…. Ida e volta?
-Só ida…
-No meu tempo não havia nada disto - reclamava triunfante enquanto mastigava tabaco que lhe comia os cantos dos lábios e acastanhava de nojo o bigode
- Vejam bem a canalhada de agora (continuava a lengalenga) - Estende-me severamente o bilhete… - Têm a mania que já são gente sabe?? (fala para um “amigo” imaginário…) a falar sobre tudo e todos , a criticar o governo…. Ás vezes pergunto se foi para isto que se fez o 25 de Abril….
-Também eu me pergunto…. Mais do que o senhor Restelo julga…. Afasto-me, deixando o velho a falar sozinho….
Ao meu lado está Harry Potter. Mais antigo e menos sonhador. O buço foi trocado por um mísero bigodinho de pelos soltos e a poeirenta fatiota deu lugar aos jeans e ao pólo lacoste… só a sigla de Voldemort estampada na testa o denuncia… cumprimento-o acenando-lhe com a cabeça …. Retribui o gesto. Diz-me que vem de uma quinzena no Algarve e não gostou. Lentamente amua a cabeça e fica pesado, cingido aos seus pensamentos e desilusões algarvias… sem magia….
Aperto o bilhete.
Ao fundo, Eduardo mãos de tesoura, passeia-se nervoso no cais de embarque disfarçado de Carioca e com a cesta da Cármen no topo da cachola.... Fora convidado para assistente especial do actual ministro das finanças para o amparar nos vastíssimos cortes a fazer no desperdício publico…. Embora repleto de tesouras, o pobre coitado só tinha duas mãos… preferiu refugiar-se em terras de Dom Pedro e aliar-se aos unidos da Tijuca para festivamente ajudar ao Entrudo vindouro recortando longas serpentinas …. Em ano de eleições, talvez Lula o inclua no magnífico mensalão que as estatais empresas Lusas insistem em fazer inchar e lhe assegure um cargo no país de eternos Carnavais….
O apressado Coelho, com um descomunal relógio na mão, salta de um imenso e imaginário país da maravilhas chamado Portugal para me alertar aos berros que o comboio se aligeira na chegada. E desaparece do horizonte entre dois magistrais saltos em direcção á toca profunda da moralidade e bons costumes desse país que já foi bem mais brando….
O expresso bloggar cumpre a chegada á hora anunciada. Amara fumarento no cais de embarque e larga a âncora para recolher estas almas náufragas de regresso a casa. No patim da carruagem, o arcaico cobrador retorce o olhar e resignado regressa ao miolo. Aqui não há almas natalícias a salvar. Nem crentes dúbios no pai Natal. Esperança e Felicidade são por aqui nomes bonitos de mulher. Nada mais….
Escolho ao acaso meu lugar na carruagem. Não há lugares marcados.
Dirijo-me á janela. Fumo um ultimo cigarro . rápido. O silvo metálico anuncia o roncar dos cavalos que hão levar-me embora. De regresso. Despeço-me da pedra e volto para o lugar no momento que a viagem começa…
-O Bilhete por favor…
Tenho-o apertado na mão e agora em descanso liberto-o. Cumpriu a magia. Voltou a ser apenas físico. Um pedaço de papel sem valor nenhum. O rodar da maquina em trilhos paralelos encerra o desejo do regresso que dantes estava estampado no cartão de cor parda.
-Aqui está…entrego-o em mão ao dócil cobrador que cruel lhe espeta o ferro deixando um pequeno orifício á mostra.
-Boa viagem … afasta-se rápido deixando-me entregue á minha sorte….
A viagem é rápida. Não tenho sequer tempo para dormitar um pouco.
Ao longe vou avistando o imponente Marão em que já ninguém manda. Nem para lá nem para cá…. A cada milha devorada pelo pouca-terra mais ele se aproxima. Esta virginal terra de ninguém que todos têm urgência em desamparar. A própria montanha que já tudo venceu adormece pesada e triste … em abandono.
Cheguei. Pára rápida a maquina num íngreme apeadeiro e saio só.
Retoma fumarenta a sua marcha deixando-me para trás sem um aceno…
Pela primeira vez em algum tempo cheiro de novo esta paisagem.
A enxurrada pacifica que varreu Agosto do calor, lavou de brilho a estrada maciça que me trás de volta. Ficou mais límpido e vistoso o caminho. Põe-me um sorriso no olhar.
Embrenho-me nestes milenares granitos . Aqui jorra a magia que Harry não descobriu em um outro país. Na cegueira….
Pé após pé em passadas firmes vou desbravando as ladeiras que me conduzem ao destino. O verde daninho que as pintalga ,será em breve trocado por um manto branco parido dos céus que no calor do telheiro irei contemplar em fascínio.
Avisto o farol , para onde me dirijo, que encima o interior. Hoje começa meu turno.
De grosso modo, na luz sublime que a lente projecta ciclicamente, tento alertar galés de mentalidade para que não se escombrem em duvidosas escarpas nestas encostas de perdição. Não sou eu o capitão que orienta o leme da barca. Tão pouco o navegador que traça a rota. Apenas um amigo!
Não sou filho pródigo… Voltei apenas…