OS SONS DO SILENCIO
Completas quatro estações, O Mississipi cansou-se de improvisar acordes de jazz e andar á nora. Voltou sereno a caminhar no leito maternal a caminho do Oceano respondendo aos apelos de Tom e Huck.
Anunciado um ano antes pelo anjo Katrina a um Noé demasiado mouco e prospector de batalhas negras em reinos orientais, o dilúvio regressaria á terra na era do digital para revelar o segredo .
No solo do Dixieland , o rio esgotado e em regime , recupera as linhas esbeltas e apressa-se em galopar nos terrenos costumeiros , revelando cruel o ventre rasgado , as gorduras sobejantes e as cicatrizes profundas.
Em cada margem , nas fundações centenárias dessa Nova Holanda transposta para o reino de Colombo, não florescem tulipas nos estrumes desprezados na desolação imposta pelo místico caudal. No emaranhado de restos urbanos e carne podre , o tempo não decompôs a matéria em adubos ou fertilizantes capazes de gerar vida . Revelou em murmúrio o Segredo da miséria!!!!!!
Uma América inimaginável no século XXI. Uma América Negra e pobre no condado do Mississipi descambando nos escombros dessa Nova Orleans em absoluto e abrupto silencio. Uma América escrava nas fronteiras internas na então maior nação do Mundo!!!!
Enquanto Katrina rodopiava furiosa pela insensatez e arrogância de Noé, milhares corriam para o interior do gigantesco superdome transformando-o em catedral de fé e salvação .
As nuvens negras de dor despejavam ferozes lágrimas de raiva engordando o caudal. Este em convulsão , adjuvado por vozes ventosas silvando desgraças , rebentava diques e arrastava com força imparável a condição humana
Noé longínquo, não encetara esforços para construir a barca capaz de carregar a salvação. Maravilhado com o telescópio de Galileu, avistava ao longe areais sem praia que escondiam no ventre, em segredo, rios negros de seculares estercos auríferos. Benévolo a degladiar-se por eles, por cada gota que implacavelmente atestavam barris e moviam um mundo, ainda que em mentira! Na mentira.
Os milhares que se ajoelharam no chão , elaborando um imenso xadrez humano na mescla dos corpos unidos, oravam em crença , sabendo o logro. No limite das forças berraram a mensagem do corpo ferido antecipando uma América desigual no tratamento A súplica gigante não fora escutada. Ficaram sós num desafio de Fé. Mística e Humana.
Se chovessem bombas…dizia Hope, uma rapariga negra de 32 anos de encanto que só o desmazelo da destruição escondia e envelhecia seu rosto… Talvez eles viessem rápido…em socorro…
Hope era, circunstancialmente, cicerone da desgraça imposta e bandeira da Louisiana. Caminhava num bote de borracha e apontava no cume da percepção essa Atlântida imersa e silenciosa .Seus olhos não ousavam acreditar na miséria forçada, que indicava aos repórteres . Negava-se a ver desaparecer toda a baixa de New Orleans , berço do jazz e terra dos Bravos. Opunha-se a ver em ruínas toda a arquitectura centenária de uma Europa importada e repleta de contos e historias de sangue e suor e que albergara movimento.
Hope, não conseguia explicar por palavras a atitude daqueles que permaneceram no interior do que era seu até que o ultimo fio de vida os percorreu . Sabia-o no seu íntimo. E quando interrogada sobre a intempérie de proporções astronómicas que araram e dizimaram seu estado, respondia apenas:
- Sabe… Com a desgraça e o luto aguentamos bem… Não entendemos é a indiferença.
Um ano depois Noé regressou em remorso á terra mutilada para construir a barca. E de novo lhe virou as costas. Não trazia estopa e resina bastante para estancar e vedar as feridas deixadas abertas pelo desmazelo. Não trazia cânticos para o divino capazes de curar as chagas dos vivos.
Trazia consigo um sorriso cínico e palavras de profeta descrente de tão ocas e repetitivas. Quando falava…. Incendiava o Mississipi. Não trazia percepção ou humildade. Fora a aconselhado a partir. Já não havia nada a fazer na profecia incumprida.
Os rostos dos seus que o miravam, apontavam-lhe o dedo com o olhar …
O mirrado Noé abandonou o povo ,escoltado e sem entender…
Não entendeu as vozes negras e poderosas de mulheres a entoar em tom apaixonado “cry me a river”….
Não percebeu esses acordes eternos que soavam em surdina em todos os cantos que a trompete de Amstrong insistia em soltar. Esse magnifico e maravilhoso “wonderfull World” que Louis porfiava em libertar para acompanhar as palavras do sonho de Luther ou a imaginação do Lennon. Alheios a um Noé que de novo abalava e que transformou as tábuas da barca encomendada em caixões sombrios que sepultaram almas, mas não a segregação. Ou o Obvio.
Comentários
Parabens!!!!
um beijo
Parabens!
Um abraço
Uma parte de mim continua nos USA e apesar de não concordar com a politica gerida neste país, atinge-me fortemente os acontecimentos que lá acontecem...
O Katrina foi uma desgraça enorme pois além de ter trazido destruição e misérias para inúmeros inocentes, trouxe também a fraqueza de um país governado por gente hipocrita e sem coração.
...
Gostei do texto Paulo. As usual :)
Amei!
Beijo
Paulo, pensa verdadeiramente em publicar algo. A tua escrita é verdadeiramente fantastica!
-Elucidas, emocionas e fazes pensar.
Os outros não sei, mas eu sou tua fã. Por isso desculpa-me minhas ausências: são desgastes e cansaços ocasionais, pontuais. Da vida.
Mas passam-me sempre, esses desgastes e esses cansaços.
Quero dizer: não me passam, eu é que os venço!!
Beijosssssssssssssss, meus para ti.
não sei o meu QI, mas decidi arriscar ler alguns dos teus textos e devo dizer que não me saí mal ;)
Este texto, pessoalmente, não me deixa indiferente: quem não se lembra do Katrina a lamber as ruas e as casas, levando consigo infra-estruturas e vidas atrás de vidas? Quem não recorda a consciência cruel e fria dos que poderiam ter feito qualquer coisa e se aconchegaram nos sofás de casa? Quem esqueceu os olhos tristes e os choros das crianças que não viam os pais por perto?
Eu não esqueci...
Mas ainda bem que se ouvem vozes no meio de tanto barulho. Gostei que tivesses falado de Louis Armstrong, de Jonh Lennon e de Martin Luther King. É sempre bom recordar aqueles que marca(ra)m pela diferença...
Um beijo, Paulo,
obrigada pelas amáveis palavras nos fragmentos...
Texto Fabuloso.
guardo-o em mim!
beijos
Pelo que assisti, temos escritor, muito bem, parabéns.
Vou passando para ver as novidades, um beijinho
Este post assinala verdadeiramente teu regresso!
Genial!
um beijo
Parabens ao autor do Blogg!
Tambem eu vi o circo do Noé Bush.
Parabens!
beijo
beijinhos... Marta Santos
Gosto da forma como agarras nestes assuntos, à laia de fábula. **
Arrebatou-me!
Parabens Paulo:
beijo
e nunca hei-de perceber como é que na Terra da Prosperidade reina tanta indiferença e discriminação..raios partam as pessoas..
Um pedido de solidariade por quem vê a sua vida se perder com as águas...
Parabéns pelo texto fantástico!!!
PS. Achei piada que mais uma pessoa parou por aqui pelo teu nome. Estou convencida que o país esta enundado com Paulo Santos... cada um de certeza é a sua própria pessoa com a sua própria individualidade no entanto consigo associar algumas similaridades: contadores de histórias, ver alem do olhar, terminar sempre com a ultima palavra :)
Tocante e extremamente e subtilmente bem direcionado.
E embora concorde parcialmente com o comment da "vida de vidro" não deixa de ser parte integrante dessa America que ao que parece não é assim tão una!
Paraben Paulo
Uma admiradora Tua.
Um abraço
Gostei muito deste post porque fiquei revoltada com o que aconteceu em N. Orleães. E ainda fico por saber que ainda há gente sem casa e sem ajuda e que se deram ao luxo de construir um potente casino. por exemplo.
beijos
Abraço e volta sempre!!
Muito obrigada pela tua visita ao meu blog :)
Mais uma vez adorei!
Venho deixar-te um grande beijinho*
fica bem
Adorei Paulo!
M.ª Luisa
E a sensibilidade oposta à indiferença.
Marcante.
Se tu pudesses mudar o mundo...
Van
gstei bastante deste texto, da forma verdadeira - e sarcastica - como relataste os acontecimentos q ocorreram no Katrina... (qt ao meu texto, qd li o teu comentario, sorri. tb partilhaste as "antenas" c alguem? dcp ter aberto uma ferida q n esta cicatrizada, mas n podia deixar de partilhar isso. :) e tb sbs q vou ser Mordoma. :) conta lá q terra com pedras em granito é q t faz ter tantas recordaçoes?, se n for pedir demais. bj)
Está excelente, um texto forte que encerra verdades escondidas.
Mais uma coisa, tens aí um elogio que não deves ignorar," o lord...", para ele dizer que o teu blog é interessante é porque conseguiste toca-lo!E olha que tocar pedra não é qualquer um que consegue...
beijos
obrigada :)
um beijo
justine
I have reached deep within my soul ... I'm so disturbed by your writing - u know me! U have to!
But today is not a good day... just wish people were more like u,
wish that I would truly know u
and could cry today on a friends shoulders without questions nor words... just be sad for a little
but this is good ... thank u
I am speechless and honestly scared...